Em média, foram 47,7 casos de homicídios que deixaram de ser elucidados por mês, no período de janeiro de 2009 a outubro de 2013, segundo relatório do Ministério Público.

A falta de materiais básicos no Instituto de Criminalística dificulta o trabalho dos peritos para que possam apurar adequadamente os casos de homicídios. Foto: Raimundo Valentim
Manaus – De janeiro de 2009 a outubro do ano passado, 2.772 inquéritos policiais de crimes contra a vida deixaram de ser elucidados, no Amazonas. O número, disponível para consulta no link ‘Produtividade dos Membros’, no site do Ministério Público do Estado do Amazonas (MP-AM), corresponde, em média, a 47,7 casos mensais.
Em 2013, 843 ocorrências de homicídios, latrocínios (roubo seguido de morte) e outras mortes violentas foram registradas, na capital, conforme a Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros (DEHS), dos quais, 610 (72,3%) permanecem sem solução.
Segundo o juiz da 8ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), Carlos Zamith, a falta de provas técnicas e de estrutura durante o processo investigatório policial é um dos fatores que contribuem para que alguns casos fiquem sem solução.
“A polícia técnico-científica, no Amazonas, ainda enfrenta a falta de materiais básicos como obstáculo para que possa apurar adequadamente os casos de homicídios, posteriormente encaminhados ao MP-AM”, disse.
A falta de reagentes utilizados na identificação de vestígios de pólvora nas mãos de suspeitos, de mecanismos que atestem a quanto tempo uma violência sexual foi praticada e de fotografias de cenas de crimes, assim como de criminosos, são algumas das fragilidades que mais dificultam as investigações, de acordo com o magistrado.
“Já vi documentos oficiais que informam não ter tido condições de verificar há quanto tempo uma determinada arma apreendida foi disparada pela última vez e casos de crimes da ordem sexual que o laudo vem muito pobre”, disse.
A fragilidade das provas coletadas pela polícia, consideradas pelo magistrado como um problema de gestão e uma questão política, acaba contribuindo para a impunidade, com réus sendo absolvidos ‘quase que diuturnamente’ por falta de consistência dos inquéritos, mesmo havendo indícios de culpa.
Zamith destaca, porém, que mesmo não solucionados, os mais de 2,7 mil inquéritos de crime contra a vida continuam em aberto e podem ser retomados, no prazo de 20 anos, caso uma nova pista chegue ao conhecimento da Justiça.
“À polícia cabe investigar os homicídios, instaurar os inquéritos, ouvir as testemunhas e encaminhar, dentro de 30 dias, a apuração concluída ao MP-AM. Já a denúncia é feita pelo promotor, desde que haja indícios”, disse.
Falta de materiais
O vice-presidente da Associação dos Peritos Oficiais do Estado do Amazonas (Apoeam), Ladislau Brito, confirmou a falta de materiais utilizados nas perícias criminais como um dos problemas que dificultam a emissão de laudos conclusivos. Segundo ele, no caso das perícias feitas no local do crime, o reagente Feca-Cult, usado na identificação de sangue humano, é o que mais costuma faltar.
“A ausência desse material está relacionado a problemas burocráticos de compra e até mesmo de prioridade”, afirmou, destacando que já precisou improvisar por ausência de embalagens para a coleta de evidências.
A falta de um microscópio eletrônico de varredura, orçado em R$ 1 milhão, e utilizado na detecção de vestígios de disparo de arma de fogo em suspeitos é outro problema que dificulta a atuação da perícia técnica, de acordo com o vice-presidente.
“Sem o microscópio, esse exame é feito, no Amazonas, baseado em exames de laboratório a reagentes. O que não é 100% conclusivo”, frisou.
De acordo com a promotora de Justiça e secretária-geral do MP-AM, Lucíola Valois, a falta de materialidade do crime e de indícios de autoria acabam gerando mais trabalho, uma vez que os autos retornam à delegacia para que novas diligências sejam realizadas.
“O processo que é denunciado logo pela promotoria está mais perto do final. Pela legislação, o delegado tem 30 dias para realizar as novas diligências”, disse, ressaltando não existir nada mais triste que o MP pedir arquivamento de um inquérito por falta de provas.
Além da inexistência de materiais, Valois afirma que a própria estrutura urbana da cidade, como a mudança constante de endereço das testemunhas, tende a contribuir para que os inquéritos, em alguns casos, não apresentem materialidade.
“Lembro que quando dava aulas, sempre citava um caso de homicídio ocorrido em 1996, no qual a perícia informou não ter condições de afirmar se as manchas vermelhas encontradas em uma faca na cena do crime eram de sangue”, contou.
Alto custo
O diretor do Instituto de Criminalística (IC), Carlos Fernandes, informou que os maiores problemas enfrentados pelo IC se referem a produtos e equipamentos de alto custo e que o inquérito não depende apenas da perícia.
“O perito criminal, mesmo dotado de recursos técnicos, nem sempre pode concluir um exame que realiza. O local do crime é um quebra-cabeça, porém, a falta de preservação ou uma modificação significativa podem interferir na conclusão do profissional”, disse.
Fernandes informou ainda que, um microscópio eletrônico de varredura deve ser doado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública e Cidadania (Senasp) ao Amazonas, entre este ano e 2015.
Sobre os exames para detecção de sangue humano e vestígios balísticos, o IC, de acordo com o diretor, utiliza as análises: bioquímica pré-análise e imunocromatográfica e a detecção de presença de chumbo.
Disputa por ponto de tráficos lidera causa dos homicídios
Disputas por pontos de tráfico de drogas, segundo o juiz da 8ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), Carlos Zamith, figuram entre as principais motivações dos homicídios não elucidados no Estado, seguidas pelas discussões banais ligadas à embriaguez, ciúmes e latrocínios.
“O tráfico de drogas infelizmente ainda é o que mais causa mortes no Estado, assim como as situações em que amigos começam a beber juntos e no final um acaba puxando uma faca para o outro”, afirmou.
No que se refere às penalidades, Zamith afirma que nos casos de homicídio simples, quando não há premeditação, os réus podem ser condenados de seis a 20 anos de prisão. Já quando o crime é qualificado, ou seja, premeditado e por motivo torpe, a pena varia de 12 a 30 anos de prisão.
Mesmo não havendo um prazo padrão para que um homicídio seja julgado, o magistrado ressalta que os crimes de grande repercussão tendem a ser julgados mais rápidos, devido a pressão da imprensa.
“Com a repercussão e a comoção da sociedade, os promotores e juízes não se descuidam do caso”, frisou.
Entre os casos de grande repercussão e que tiveram o julgamento realizado de forma célere, Zamith destaca o triplo homicídio da família Belota, ocorrido no dia 21 de janeiro do ano passado e que culminou, dez meses depois, na condenação dos réus Jimmy Robert de Queiroz Brito, Rodrigo de Moraes Alves e Ruan Pablo Bruno Cláudio Magalhães a 100 anos, 94 anos e oito meses e 90 anos de prisão, respectivamente.
Original em: http://www.d24am.com por Annyelle Bezerra portal@d24am.com
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